segunda-feira, 20 de julho de 2009

O lixo

Ela acaba de descer do navio. Ele, um representante britânico, estava no porto.
_ Olá, eu vim fazer a entrega.
_ Oi, eu já estava aqui à espera da devolução do lixo. Você é a Alícia, certo?
_ Isso mesmo, Alícia. E você é...?
_ Nicolas, prazer.
_ Pois então senhor Nicolas, os containers com o lixo que vocês mandaram para o Brasil já estão entregues. E a fama de um "jeitinho pra tudo" é brasileira, hein?!
_ Primeiramente, pode pode me chamar de você... Quanto ao lixo, a responsabilidade não foi minha, eu recebi esse encargo agora, depois dessa confusão... realmente achei uma falta de respeito o que fizeram. Eu adoro o Brasil, eles não sabem como é bom lá, se não eles nã teriam feito isso!
_ Ah, então você gosta do Brasil?
_ Sim, muito. E você, gosta da Inglaterra?
_ Eu adoro a Europa. Vim muitas poucas vezes para cá, mas sei que aqui é meu lugar... Eu adoro esse frio, a neve, a elegância européia...
_ Uma brasileira que gosta de neve, que surpreendedor!
_ Bom, eu preciso descarregar aquele navio, tudo bem que lixo é de ninguém, lixo é tão vazio, tão... Lixo! Já pensou nisso? Ele tem tudo, mas não tem nada, ele já pertenceu a alguém, mas agora ele se pertence... fica jogado, acabado, deteriorando, como se fosse um...
_ Lixo?
_ É, lixo!
_ Agora estamos filosofando sobre o lixo!!
_ Desculpe, as vezes eu falo demais.
_ Já que você gosta de falar, e eu de te ouvir, pode deixar que meus encarregados cuidam do descarregamento, tenho certeza de que nenhum saco plástico retornará ao Brasil... Já que está nevando, poderíamos tomar um capuccino quente, jogar conversa fora...
_ Tudo bem então. A conversa jogada vai para o meu lixo, ou para o seu?
_ Agente pode ir guardando num container, e ver no que vai dar...


Renata Menon

P.S.: Eu fui por base na crônica "O lixo", do Luís Fernando Verissímo. Eu adoro suas crônicas, e essa me fascina. Simples, mas irreverente. Há três anos a li, e nunca mais esqueço. É claro que a minha não chega aos pés dele, mas os discípulos nunca são melhores que os mestres! E também, nada como assistir um dia de jornal para eu ter novas idéias.

Um comentário:

Rafael disse...

Não acreditei quando li a notícia dos containers com lixo.
Legal sua homenagem ao Veríssimo.

ps: é invevitável lembrar do poema concreto do Augusto de Campos.
http://afinsophia.files.wordpress.com/2009/03/luxolixo.jpg


e do José Paulo Paes:
POÉTICA

conciso? com siso
prolixo? pro lixo